quinta-feira, 5 de maio de 2011

Para o momento faltou o Da Vinci!


Quando ali postado ao lado encostado no batente da porta da cozinha, a admirar a conversa de neto e avó, coisa rara para os nossos dias, a conversa ia de assuntos corriqueiros, desde novelas, a parentes, distantes e próximos, a animais e roça, e a fumaça continuava a sair do fogão à lenha e tomar conta da cozinha nos transportando ainda mais para o clima bucólico, coisa de interior e que tinha a graça da singularidade de cada caipira no modo de conter a fumaça, a bem dizer que ela ainda espantava os pernilongos visto que repelente ali era coisa de gramfino e que ali todos estavam distante dessa condição, porém, à mesa estava dois pães e um pedaço de bolo, e ali se aprenderia o dom da multiplicação, do trabalho em equipe e do respeito, coisas de culturas tão diferentes e vivenciadas em conjunto por assim dizer. O sol latejava no chão do quintal, e por entre as plantas ia fazendo a sua peneira por todo o terreno, pássaros nas gaiolas a cantarem, mais pela vontade de sair, poder voar de galho em galho, do que pelo sol visto de dentro das gaiolas, pois a graça aos olhos alheios era seu mais terrível sofrimento. Se vira o amigo a cortar o pão não fora por acaso, cada um em dois pedaços e o bolo em quatro, e a cada pedaço ia se dando o nome de cada morador daquela casa, de cada membro daquela família, situação unica, jamais presenciada no seu próprio lar, visto que cá em seus territórios haveria discussão até para buscar o pão ainda que fosse dois pra cada membro da sua família, a briga persistiria e aquele dia não mudaria o cotidiano em seu lar, porém...depois de partidos todos os pedaços e os nomes dados a todos, eis que ele pega o com o seu nome e o oferece um pedaço, e esse seria o pedaço do pedaço do pedaço do bolo, e se não aceitou não foi pelo pedaço e sim pelo que o deixara perplexo, coisa nunca vista, divisão tão bem executada e sem desavença, como aquilo fora possível, como aquilo acontecia entre humanos, parecia impossível de acreditar...uma espécie de que nem vendo acredito...ele saboreava o seu pedaço e insistia para que aceitasse pois estava muito bom, não aceitar era se pôr em seu lugar e entender que aquele tipo de respeito e cuidado ainda não lhe cabia, a saber que os de cá não o fariam daquela forma, alguém comeria um pão ou até os dois, o outro bolo e alguém ou uns dois ficariam a mercê da fome...não necessitava daquele pedaço de bolo, mas sim do aquele pedaço de bolo passara a representar em seus dias, e que o significado de família e amizade era muito além do que compreendia até aquele momento, e que a fartura está em atitudes de benevolência, e que lembrar dos outros não é só sentir saudades e sim cuidar em cada ato de "pouca importância", nunca não duvidar do óbvio...não transforma-se vinho em água, nem tampouco água em vinho...aprendera que um pedaço de bolo não mataria a fome de quatro pessoas, mas que cada pedaço daquele bolo tornaria cada um melhor que antes, que cada pedaço de pão naquela casa tornava o emprego da palavra família ali mais adequado do que em qualquer outro lugar em que estivera até aqueles dias, que para ser melhor não precisaria comprar todos os bolos do mundo ou todos os pães do planeta, vira que era preciso tão somente dividir, e que esta era mais acessível e menos tentador na inversão da multiplicação, e sem que lhe fosse dita uma palavra com tom de ensinamento, aquele - Quer um pedaço? mostrara mais que os olhos pudessem enxergar, que ele sairia dali com a sensação de aprendizagem saciada, e orgulho pelo amigo aumentado e por aquela família também, e ele com a fome amenizada pelo pedaço de bolo...pelo trago de pão molhado no café que por essas alturas exalava o seu cheiro por toda a casa e disputava na cozinha espaço com a fumaça, o pedaço de pão, pedaço de bolo, raios de sol que entravam pela janela e refletiam no fogão à lenha na busca pelo café, o cantar dos pássaros que invadiam com maior fervor a cozinha, um neto, uma avó, um amigo...que se ali fosse noite seria a grande ceia, senão fosse cético seria santa, que se casa não fosse estábulo seria...tudo ali constituia um quadro quase perfeito do que deveria ser o homem. Talvez nem Michelangelo e nem Da Vinci conseguisse imprimir o que ali se passava, talvez com um Silk Screen passasse a catarse da sua alma, talvez...dias raros!

5 comentários:

João Munduruca disse...

... emocionado ...

Parnaibando disse...

Dias raros...situações verdadeiras...

Suzana Duraes disse...

Maravilhoso texto! Ensinamentos valiosos!

Parnaibando disse...

Muito obrigado! Valeu...

Anônimo disse...

Muito bacana,parabéns